sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Do borralho ao castelo

De como a Gata Borralheira levantou-se sobre seus pés descalços e sujos da fuligem da lareira  onde cozinhava, atravessou o piso gélido da mansão de seus antepassados,  (agora  dilapidada e decadente nas mãos de usurpadoras), abriu a porta dos fundos usada só pelos serviçais, e saiu enfrentando a noite escura  carregada de neve e tempestade, em busca de seu verdadeiro lugar no mundo.


Era um vez, como todo mundo sabe ou pensa que sabe, uma linda princesa que, ficando órfã de sua amada mãe, recebe uma nova “ família” através do casamento de seu pai com uma mulher que traz consigo suas horrorosas filhas, para serem  “irmãs” da princesa.
O pai amoroso mas tolo, como todo homem que se deixa iludir até hoje por palavras de elogio à sua hombridade e importância, ditas por aves de rapina que desejam arrumar quem lhes sustente, deixa a criação de  sua linda e preciosa filha aos cuidados dessas mulheres sem escrúpulos.  O pai amoroso mas omisso  escolhe não ver o que salta aos olhos de todos,  de que aquele casamento era um erro  que só trazia infelicidade e discórdia, além da bancarrota.
O pai amoroso mas frágil ainda fez o favor de morrer, selando assim a sorte de sua pequena e desprotegida criança, que de menina culta e prendada  passa a empregada pobre, humilhada, faminta e gelada, explorada pela maldade e indiferença das invasoras.
Todo mundo sabe, ou pensa que sabe, o que vem depois.  A carta para o baile que iguala a todas  as moças do reino no direito de sonhar com o príncipe,   as artimanhas da madrasta para impedir que a princesa compareça ao evento da nobreza, a fada-madrinha que providencia uma janela mágica de sonho ... E o momento que a princesa se vê no mundo ao qual realmente pertence, de riqueza, cuidado e proteção.
Final feliz?  Ainda não.  Porque seguindo o encantamento a princesa tem que sair de modo intempestivo do baile, deixando como pista apenas um delicado  sapatinho de cristal.
A história segue na procura de tal moça pelo mordomo do rei, que irá de casa em casa experimentar o sapatinho até encontrar a  felizarda.
E é aí que eu me pergunto onde estava o príncipe numa hora dessas?  Sim, tá certo que ele não tinha como saber das agruras sofridas por sua amada, caso contrário deveria ter saído em seu cavalo branco, de espada em punho para resgatá-la ( o que é o sonho da princesa que vive em cada uma de nós).  Nesse momento ele ainda  procurava uma boneca, era ainda  necessário empreender sua própria viagem de conhecimento para saber que o que realmente buscava era sua metade.  
Por isso acho que, depois do baile, a princesa volta à mansão que é sua por direito, olha em volta as paredes nuas que abrigaram caríssimas tapeçarias, o chão muitas vezes por ela esfregado que outrora era coberto de macios tapetes, a cadeira vazia do pai que ainda lhe arde o peito, e tomada de coragem, e de talvez um xale em farrapos, decide abandonar o borralho e partir, queixo levantado  e cabelos ao vento, em busca de sua auto-estima. 
O Príncipe? Esse, se realmente merecê-la, deverá também enfrentar o escuro e a neve da noite, partir em cega busca guiada apenas por seu coração, a incerteza consumindo sua razão no medo de perder, para o mundo ou para outro, o único tesouro de toda a sua  vida.
Como na história da Donzela sem Mãos, onde o rei  caminha errante por sete anos em busca de sua amada rainha, encontrando-a  enfim  na floresta, e com ela voltando a casar-se, confirmando assim que existe um Amor que vale a pena...    
Conclusão:    Cabe a nós levantarmos do borralho , colocar-nos sobre os nossos pés e caminhar em busca de nossa felicidade.  Libertemo-nos pois das cinzas da piedade  e da falta de estima. Temos direito ao castelo.   Vamos  em  busca dele. Quem estiver apto a essa jornada, se juntará a nós nesse caminho, confirmando a crença que o Amor pode vencer o Mal.  Desde que seja o Amor Verdadeiro, aquele que suporta, crê , entrega , confia e espera.  Um Amor com um escudo de luz e uma  espada da coragem.  

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Você sabe o que é jaculatória?

Tá, o nome é horrível, também concordo !!!!!


Jaculatória é uma pequena frase, de efeito, que se repetidas muitas e muitas vezes, impressiona nossa parte cerebral , que tudo fará  para transformar aquele conceito em realidade na vida prática.

Todos os grandes sucessos, dos grandes homens e mulheres, foram permeados de jaculatórias, principalmente nos momentos de erro ou fracasso.  Pois só pode vencer quem fracassa, quem erra, quem cai, quem refaz, e principalmente, quem segue adiante, quem treina, quem persevera, quem chora mas continua... A vida é assim, ela entra em todo round pra jogar, não vá pensando que se ganha da vida de W.O!!!!  Tem rounds mais  fáceis, outros dificílimos, mas quem já viu "Rocky" ( pelo menos um deles !) sabe que  lutador não pode ter medo de apanhar...

Apanhamos da vida todo dia , nas provas, no trabalho, na saúde, nos relacionamentos... A vida é mestre exigente, daquele "tipo" oriental que  nos ensina com uma vara de bambu e nos faz repetir o exercício mil vezes, Gafanhoto... Mas no fim de cada dia, de cada round, de cada fracasso e cansaço, há uma lição  a ser aprendida... Nosso esforço, e  nesses momentos vemos com os olhos visionários de nosso Mestre,  não é em vão... Ele nos impulsiona pra frente, pra cima, e só evolui quem cai, quem erra.  Assim, começamos a enxergar que, não é o problema em si, mas a maneira como o vejo, que faz toda a diferença do mundo.  Se meu problema é meu inimigo, serei um revoltado-derrotado, gritando ao mundo as injustiças das quais sou vítima.  Se meu problema é meu exercício, meu dever de casa, meu quebra-cabeças que esconde um segredo ou um regalo no fim da empreitada, então meu problema é meu mestre, e quando superá-lo serei mais sábio, mais humilde, e mais forte.

Mas eu falava de jaculatórias !! E se as palavras têm poder ( porque têm energia, simbologia, comprimento de onda, são estruturas de forças que destroem egos ou levantam exércitos)  usemo-las pois, todos os dias, em nosso benefício !!! Não é à toa que os que sabem alguma coisa repetem mantras, orações, sons, canções, desde tempos imemoriais.  Não é  toa que foram criadas palavras de ordem, não é a toa que as escrevemos em camisetas, as pintamos nos muros... De forma fractal, repetidas, elas vão permeando nosso subconsciente e transformando o que somos . Escolhermos o que seremos é nosso arbítrio.  

Gostaria de dividir com vocês essa jaculatória ( de Lourenço Prado, livro "Alegria e Triunfo") , para ser repetida todos os dias, no ônibus, no carro, em frente ao espelho e principalmente em frente a qualquer dificuldade, pequena ou grande:

"A cada dia, sob todos os pontos de vista, estou indo cada vez melhor e melhor em todos os sentidos".

Repitam, repitam, repitam que "pega".. É assim que se ganha uma eleição, que se constrói um ideal, é assim que realizamos o que era destinado somente aos iniciados. Força e Paz, amigos. Viemos pra lutar. E pra vencer.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Filhos


Filhos adolescentes, indo e vindo de festas, passeios, compromissos, estudos, viagens, namoros, intercâmbios... A vida pulsa neles de uma maneira mágica, mesmo com seu mau-humor, inconformismo, desorganização e egoísmos, e a sensação de que a vida acaba hoje se não forem hoje àquela festa ou show de rock , ou que o tempo é infinito mesmo quando as provas já são na semana seguinte...
Filhos adolescentes com suas mochilas, músicas, risos, amigos, violão, posters nas paredes, fotos no face, allstars imundos e calças jeans que não precisam ser lavadas, pois segundo eles, são roupas que não sujam ...
Filhos descobrindo o mundo, a vida,  os relacionamentos, os desafios, a realidade prática do dia-a-dia, aprendendo o que é FGTS, INSS, abrindo conta em banco, aprendendo a  dirigir...
Querer segurar o fluxo da vida é como construir uma barragem e impedir que  o rio siga seu curso, banhando novos pomares, jardins, plantações. Continuarmos atentos e presentes nessa jornada é nossa missão, mas para isso precisamos entender nosso papel de guia,  como diz Gibran.  E, como eu gosto de histórias, aí vai mais uma, contada por ele pela voz do Profeta.



Uma mulher que carregava o filho nos braços disse: "Fala-nos dos filhos."
E ele falou:
           
Vossos filhos não são vossos filhos.           
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.           
Vêm através de vós, mas não de vós.           
E embora vivam convosco, não vos pertencem.           
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,           
Porque eles têm seus próprios pensamentos.           
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;           
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,           
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.           
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,           
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.           
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.           
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força          
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.           
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:           
Pois assim como ele ama a flecha que voa,           
Ama também o arco que permanece estável.

 


      Ilustração extraída do livro  "O Profeta"


quarta-feira, 13 de junho de 2012

Babado grego


Gente, tô me sentindo uma Candinha da Antiguidade, mas esse negócio de mitologia é muito, muito melhor que novela... Tramas, paixões, traições, triângulos, quadrados, uma coisa de louco !!!  E muito sexo... Mas também amores imortais, paixões verdadeiras, tudo com uma grande dose de intrigas e aventuras ...
De volta à Perséfone ( que também é conhecida como Koré) e Hades... Descobri que a beleza da heroína já atraía a inveja de Afrodite, quando  ainda era uma menina...  Vários deuses a tentaram cortejar, mas a mãe Deméter afastou todos os pretendentes, inclusive Hades ( que já tinha pedido a mão da donzela a Zeus, e como a coisa não andava acelerou  sua biga negra e levou-a na mão grande....)
E Perséfone, que não devia comer nada que Hades lhe oferecia , para registrar seu repúdio ao rapto, aceitou uma suculenta romã, selando assim a sua aceitação tácita ao deus do submundo... Que segundo reza a lenda, tratava a esposa  muito bem, ouvia sempre sua opinião a respeito de tudo, era amoroso e carinhoso ...  Perséfone, que se tornou uma mulher esplendorosa e estonteante, passava metade do ano que com o marido, e metade voltava  à terra dos viventes como  Koré,  a  donzela, para ficar com sua mãe ( representando  assim o ciclo anual das colheitas).  Diz a história que  seu amor verdadeiro era Hades, mesmo tendo como amante Adonis ...  Como assim???  Quando ela tinha tempo pra ficar com esse Adonis?  Se  quando estava na terra, era como Koré, cujo nome significa moça virgem? Imagino que Hades não ia aceitar Adonis dando uma voltinha lá no território dele, mesmo constando nos autos que  Perséfone ajudava a todos que visitavam o reino inferior em busca de ajuda, e sempre interferia junto à Hades em favor dos heróis e dos mortais...
Bom, parece que Adonis era o favorito de Afrodite, mas como essa também andava com Ares, o deus da guerra, esse último deu logo um jeito de despachar Adonis para o andar de baixo... Onde ele ficou morando com Hades e Perséfone, e aí... deu no que deu. Resultado: Zeus teve que se meter e estabelecer que Adonis ficaria  com Afrodite por quatro meses e com Perséfone por outros quatro, tendo quatro meses livres (  naturalmente para descansar, o pobre...)... Mas parece que Adonis deu uma volta no tal acordo e ficava o tempo livre também com Afrodite, mas deixa pra lá, porque a Afrodite era uma arrogante invejosa e o amor da Perséfone era mesmo o Senhor dos Mortos...
Há inclusive uma história que Hades tinha lá uma “amiga”, antes  da chegada de Perséfone, uma ninfa de nome Menthe , que se achava a número um e  que não gostou nada de se ver trocada pela recém-chegada.  Quis arrumar uma confusão e acabou virando um pé de menta na entrada do submundo. Não se sabe ao certo se quem a enfeitiçou foi a própria Perséfone, ou a mãe, Deméter... Enfim, tudo gente boa .  Importa mesmo é que Hades e Perséfone se entendiam , de todas as formas possíveis...

Em tempo:  Descobri por acaso na internet o blog da Maria Batista, uma poetisa portuguesa que também se encantou com a história do casal tão fora do comum. E com a devida licença da autora, reproduzo aqui as palavras dela:

Tomado de volúpia e sedução
Hades sem cuidados tamanhos
Num golpe de insídia e traição
Rapta koré ao mundo estranho

De ninfas, narcisos e cor
Tem medo e está vencida, koré
Saboreia a maçã do amor
Com lágrimas de sangue e fé

Ah Perséfone!  E não apeles

Pelo teu mundo seguro e materno
Se sentes o beijo, se sentes a pele

O cheiro e a carne do teu amante
Se mais vale a paixão do inferno
Que o amor do paraíso distante

MariaJB

poesiamariajb.blogspot.com/


"O rapto de Perséfone", de Bernini
Galleria Borghese, Roma

sábado, 9 de junho de 2012

O Gênio Bernini

É muito legal quando, o que a gente escreve, causa satisfação em alguém.... Se faz a pessoa divagar, imaginar, viajar ou sonhar, pensar em coisas esquecidas ou coisas jamais pensadas, é esse o grande prazer da leitura, não é?  Quem é leitor voraz sabe...
Uma pessoa amiga, ao ler sobre o rapto da Perséfone por Hades, se identificou com  a personagem, e me mandou umas fotos da escultura de Bernini, de 1621 ( ou próximo ), que retrata o primeiro momento , quando Perséfone ainda luta com Hades, antes de aceitar ser sua esposa, deixando assim de ser uma bela menina e passando a ser uma estonteante e sedutora mulher.
Destaque para a "pegada"de Hades na Perséfone, a gente até esquece que eles são de mármore...

A "pegada" de Hades 

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Senta que lá vem história !


Pesquisando sobre Eros e Psiquê, me encantei com o romance dos dois... E encontrei algumas referências bem interessantes, que me remeteram a outras histórias...
Psiquê, mortal e linda, filha de um rei não muito importante, é alvo da inveja de Afrodite, a deusa da beleza, que manda seu filho Eros a acertar com uma flecha, fazendo assim com que  a princesa se apaixone pelo ser mais horrendo que por ali haja.
Sim, Eros e Cupido são a mesma divindade, mas não aquela coisinha rechonchuda e infantil, mas um belo rapaz com sua aljava e flechas de paixão...
Ocorre que Eros, encantado com a beleza de Psiquê, se arranha com uma de suas flechas e se apaixona perdidamente por ela. ( Até aí, quem lembrou da rainha bonita e malvada, que manda Branca de Neve para a floresta com o caçador, por pura inveja, dando ordens explícitas sobre sua morte?  Pois é , o caçador também fraquejou...)
Apaixonado que estava, Eros não cumpriu a ordem de sua mãe Afrodite, e o tempo foi passando sem que a princesa arrumasse um pretendente, o que passou a preocupar seu velho pai, que já havia casado duas filhas não tão belas, e não podia entender como Psiqué continuava sozinha. Procurou então um oráculo que, graças à armação de Eros, disse que a filha estava fadada a casar-se com um monstro.  Muito desolado, porém obediente, o pai abandonou a filha num rochedo à própria sorte,  onde o monstro viria buscá-la.  Psiquê acabou adormecendo no rochedo e foi levada por Zéfiro, deus do vento, a um palácio suntuoso, com maravilhosas iguarias.  Lá, foi recebida pelo “monstro” que, sem nunca mostrar a sua face, a iniciou em todos os prazeres e delícias do amor... Todas as noites eram noites de amor e paixão, e Psiquê estava muito feliz , embora sem conhecer o rosto de seu marido.  ( Quem lembrou da Bela e a Fera, sozinhos naquele castelo enorme?  Depois daquela valsa memorável, com trilha sonora vencedora do Oscar, hummm....)
Acontece que o Inimigo sempre e todo o tempo procura uma brecha para se meter nas relações humanas ( e pelo jeito nas divinas também) e plantou na Psiquê uma saudade de suas irmãs, que foram visitá-la depois dos pedidos insistentes da princesa a seu esposo.  As irmãs, ao verem a felicidade e riqueza de Psiquê, também ficaram encharcadas de inveja ( de novo , a inveja) e começaram uma teia de intrigas contra o marido da outra, dizendo que na verdade ele devia ser uma serpente disfarçada, e que a estava alimentando para depois devorá-la.  Tanto fizeram que Psiquê,  cheia de dúvidas, resolve uma noite espiar o rosto do marido adormecido, depois de uma fantástica sessão de amor.  Vai armada com uma faca, pois se fosse verdade o que as irmãs afirmavam, melhor seria matar logo a fera... Qual não foi o choque ao ver, não um monstro horrendo, mas as feições divinas do deus do amor, que escondia o rosto para que a mãe não descobrisse sua desobediência. Psiquê ficou tão estarrecida com a beleza do esposo que deixou pingar o óleo quente da lamparina no ombro de Eros, que acordou assustado e traído com a falta de confiança da moça: abriu suas asas e voou janela afora , ele que tanto havia advertido à amada sobre a intriga das irmãs .  Psiquê, desesperada, se joga da janela do palácio no cume da montanha. Zéfiro, no entanto, a socorre  e a traz de volta ao palácio. As malvadas irmãs, acreditando que o lindo Eros olharia para elas agora que estava magoado com Psiquê, atiram-se também pela janela atrás dele, mas o que as aguarda é somente o precipício... ( Quem leu a história de Vasalisa, vai lembrar das irmãs malvadas que viraram carvão ... ou ainda das horrorosas irmãs postiças de Cinderela...)
Começa então a peregrinação de Psiquê, sem dormir ou comer, na busca para recuperar seu amor.  Como na lenda da Donzela sem mãos, ela vaga sem rumo até encontrar um castelo onde mora Deméter ( lembram de Deméter, a mãe-terra, mãe de Perséfone?).
Psiquê ajuda Deméter a separar grãos de trigo, espigas de milho e ferramentas, que estavam misturadas por todo o palácio, e Deméter, em retribuição, como a sábia Baba Yaga de Vasalisa, como a Mulher Selvagem que habita em nós, como  a Mãe-Terra protetora e Voz do Intuição que habita nosso íntimo,   ensina à moça o caminho para recuperar Eros: conseguir o perdão de sua mãe Afrodite.
Afrodite estava muito satisfeita cuidando da chaga  que a  traição de Psiquê havia causado a Eros, e não gostou nada de ver aquela mortalzinha chegando, propondo reconciliação.  Assim, deu a Psiquê uma tarefa , certa de que ela não a cumpriria, firmando de vez a certeza de que ela não era digna de seu filho.  E assim parte Psiquê,  como  tantos outros heróis, para ser testada em uma tarefa impossível de se cumprir, e armada apenas de seu amor e coragem.
Afrodite coloca Psiquê num quarto repleto de grãos de diversas espécie ( de novo, os grãos de Baba Yaga...) que ela deveria separar em pilhas.  A moça começa o trabalho e no meio da noite, adormece, extenuada.  Mesmo levando vários dias ela não conseguiria terminar tal triagem.  Porém um exército de formigas invade o quarto e faz todo o trabalho e, quando Psiquê acorda, o que era impossível estava feito.
Afrodite, contrariada, pensou logo em outra tarefa para a mortal, de preferência uma bem estafante e perigosa para que ela perdesse logo a sua beleza e juventude, motivos de seu ciúme.  Mandou a moça trazer a lã do velocino de ouro. Ora, o velocino de ouro costumava pastar próximo a um rio, cercado de outras feras. Psiquê não sabia como se aproximar dos animais para cortar-lhe a lã sem correr risco de vida.  Uma voz nos juncos, entretanto, lhe cochichou que, junto à margem onde os animais costumavam beber água, havia um espinheiro, e lá se prendiam vários tufos da lã dos animais, que ela poderia colher.  (Assim, uma vez mais, a boneca de Vasalisa, ou seja , a intuição, levou a heroína a conquistar o que parecia impossível.)
A mãe de Eros não se conformou com o sucesso da princesa e deu-lhe outra ordem: que trouxesse a escura água da nascente do rio Estige.  Tal nascente, no entanto, ficava no alto de uma montanha inacessível, e Psiquê, com um vaso nas mãos, imaginava o que fazer quando as águias de Zeus  surgem, tomam-lhe a ânfora e a levam até  a nascente no cume, enchendo-a e devolvendo-o à princesa. (Lembrei-me das águias de Gandalf salvando Frodo e Sam na Montanha da Perdição, e também da história da esposa devota enfrentando a montanha em “O urso da meia lua”).
Afrodite decide pegar pesado: com a desculpa que tinha desgastado um pouco de sua beleza com os cuidados  com a ferida do filho, manda Psiquê pedir a Perséfone uma caixa com um pouco de sua beleza.  Ora, como já postei aqui no blog, Perséfone tinha sido raptada por Hades, o Senhor dos Mortos, e levada para ser sua esposa no mundo inferior.  Afrodite imaginava que , mandando Psiquê para o mundo dos mortos, ela não teria como regressar.  ( A rainha malvada mostra sua cara de bruxa e tenta enfiar a maçã envenenada na goela da inocente Branca de Neve...)  Psiquê pensou em se jogar de uma alta torre para, morrendo, poder entrar no reino de Hades.  Foi com espanto que  ouviu a torre murmurar-lhe sobre uma caverna que dava acesso ao reino subterrâneo; a torre ensinou-lhe a driblar os perigos da jornada, como passar pelo cão Cérbero e ainda providenciou uma moeda para pagar a travessia de volta.  Instruiu ainda a princesa a não olhar o conteúdo da caixa que Perséfone lhe daria, pois a beleza dos deuses não era para olhos mortais.
A história não explica porque Perséfone atendeu  ao pedido da princesa; mas afinal não era sempre que aparecia alguém vivo por lá e a própria Perséfone também já tinha empreendido sua jornada de crescimento; talvez tenha sentido alguma simpatia por aquela menina bonita que estava virando mulher. De qualquer maneira, Psiquê volta com a caixa, mas... não sem ceder à tentação de dar uma olhada, pensando que a sua própria beleza pudesse estar desgastada depois de tantas provas. Ao abrir a caixa , lá não havia beleza mas um sono terrível que se apossou de Psiquê, deixando-a desacordada.
Como o rei da Donzela sem Mãos, entretanto, como Felipe que venceu todos os obstáculos para chegar à sua amada Aurora, que dormia seu eterno sono, como  o príncipe que, mesmo cego pelas maldades da bruxa consegue salvar Rapunzel de sua prisão , enfim, como  os meninos que se tornam homens quando aceitam e desejam proteger suas amadas , Eros recuperado resolve lutar pelo seu amor: desperta  Psiquê, devolve o conteúdo à caixa e orienta à princesa que a leve à Afrodite.  Enquanto ela faz isso, Eros pede ajuda a Zeus para  que aplaque a ira de Afrodite. Zeus ordena a Hermes que traga Psiquê ao Olimpo e , com uma taça de ambrosia, a faz imortal.  Com a benção de Zeus, está selada a união de Eros e Psiquê, e do amor dos dois nasce uma filha de nome Hedoné, que significa prazer.

Conclusão ( ou seria a moral da história?): Só depois da jornada de cada um, do abandono do efêmero jardim da adolescência para o ingresso na floresta da maturidade, simbólica e poderosa, (pois é o terreno onde o amor pode enfim fenecer e renascer a cada dia),  é que finalmente foram felizes para sempre....
* * *
Obs: Achei na Wikipedia: "Em grego  "psiquê" significa tanto "borboleta" como "alma".  Uma alegoria a imortalidade da alma, como a borboleta que depois de uma vida rastejante como lagarta, flutua na brisa do dia e torna-se um belo aspecto da primavera.  É considerada a alma humana purificada pelos sofrimentos e preparada para gozar a pura e verdadeira felicidade":   
UAU !!!! ATÉ A PRÓXIMA HISTÓRIA !!!!      


"L'enlèvement de Psyché", de Bouguereau

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Eros e Psique

"Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida, 
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino 
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora, 
E falso, ele vem seguro, 
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, indo tonto do que houvera,
A cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera, 
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia." 

Do mestre, Fernando Pessoa.
Não é lindo?
Eros e Psique, de Canova, no Louvre

sábado, 14 de abril de 2012

Ele, o Dalai

"A agressão é uma tendência que faz parte do nosso íntimo.  Por isso, temos de lutar contra nós mesmos.  Homens criados em ambientes rigorosamente não-violentos acabaram se transformando nos mais horríveis carniceiros. O que prova que a semente da mais insana agressividade mora nas profundezas de cada um de nós.
Mas nossa verdadeira natureza é de modo geral pacífica.  Todos nós conhecemos as agitações da alma humana, que está sujeita a imprevistos assustadores.  Mas essa não é a força dominante. É possível  e necessário dominar a agressividade."

Há muito tempo atrás assisti ao filme "O pequeno Buda". Apesar de não conhecer os fundamentos da religião budista, desse filme apreendi o conceito do "caminho do meio", ou seja, o caminho da temperança, sem radicalismo para um lado ou para o outro. Diz o ditado popular: "nem tanto ao mar, nem tanto à terra". Essa coisa de procurar o caminho do meio, de procurar o equilíbrio, a moderação e a temperança das forças que se agitam dentro de nós, me parece ser o caminho ascendente da espiral da vida.

A reflexão que citei aí no início é de Dalai Lama. Tem tudo a ver com o que eu considero um dos nossos grandes desafios, que é domar o nosso próprio medo e  raiva, escolher o caminho do meio, e buscar a temperança.

"O que mais nos incomoda é ver os nossos sonhos frustrados.  Mas permanecer no desânimo não ajuda em nada para a concretização desses sonhos.  Se ficamos assim, nem vamos em busca dos nossos sonhos, nem recuperamos o bom humor !
Este estado de confusão, propício ao crescimento da ira, é muito perigoso.  Temos de nos esforçar e não permitir que a nossa serenidade seja perturbada.
Quer estejamos vivenciando um grande sofrimento, ou já o tenhamos experimentado, não há razão para alimentarmos o sentimento de infelicidade."


( Ambas as citações extraídas do livro: O caminho da tranquilidade, de Sua Santidade, o Dalai-Lama)


Força e serenidade

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Aprendizado

Aprendi que, se quiserem me agredir, posso não aceitar a agressão.


Aprendi que, por mais que não goste de brigar, há coisas que têm que ser ditas, senão a gente corre o risco de sufocar.

Aprendi que o Inimigo sempre inverte o jogo, e nos joga contra aqueles que amamos.

Aprendi que, apesar de ser canceriana, também sou Dragão e cuspo fogo.

Aprendi no Muay Thai a levantar a guarda, a defender mas também atacar, e principalmente, de 
não ter medo do golpe, pois é o medo que nos enfraquece, e a coragem é a nossa força.

Aprendi que ser de Deus não é ser um saco de pancadas, uma vítima, mas sim ser FORTE, e lutar com as poderosas armas de Deus.

Aprendi que a pessoa que mais devo amar sou eu mesma, porque esse amor por mim me permitirá aceitar, de forma salutar , os outros como eles são,

Aprendi que, a proteção à minha vida, à minha mente e à  minha alma só Deus e as Forças do Céu podem prover; e que de resto
devo proteger a mim mesma, não esperando que ninguém seja meu paladino ou salvador.

Aprendi que o medo corrói e a fúria destrói; o medo, devemos combatê-lo, a fúria, dominá-la.

Aprendi que o Inimigo é vil, e usará qualquer arma para nos derrotar: a discórdia, a vaidade, a inveja, a mal-querëncia, a intransigência, o egoísmo, o  preconceito, a arrogância e a mentira.  Contra ele, sozinhos pouco podemos, mas com Deus somos gigantes.

Aprendi que não posso mudar ninguém, mas posso mudar a mim mesma. Aprendi que não é tanto o fato em si, mas minha atitude para com o fato, que faz meu sofrimento ou minha vitória.

Aprendi que devo seguir aprendendo, pedindo a Deus: SABEDORIA, FORÇA, CORAGEM e DESTEMOR.

"Porque Deus não lhes deu o espírito de temor, mas de Poder, de Amor e de Moderação

 (Segunda carta de Timóteo , capitulo 1, versículo 7)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Somos livres para escolher

Andei meio esquecida de mim.  Estive tão longe que quando voltei me perdi de mim mesma, de Nefertiti , da Imperatriz, de Sherazade, da Mulher Selvagem.  Esqueci que mereço o melhor, que vim para ser amada, e que mereço mais, muito mais que às vezes me contento em aceitar.
Sou o meu pior Inimigo, quando me diminuo, quando sofro, quando permito que me machuquem, quando baixo a guarda, quando me deixo derrubar.
Levanta!  Fecha os punhos, fecha a cara, lembra que há quem te dê muito valor.... Você mesma !!!!!!!
Sou livre!  Não quero viver de aparências.  Somos livres.  Não precisamos seguir a cartilha de quem não tem nada a ensinar. 
Escolho a verdade, porque a verdade liberta e a mentira acorrenta, aprisiona. 
Escolho a  coragem, e a coragem se mede enfrentando o medo de cada dia, e principalmente o medo da dor.
Posso lamber minhas cicatrizes e me orgulhar delas, das que foram heróicas e das que foram tolas, das que adquiri por bravura e das que são  conseqüências dos meus erros. Principalmente essas não ocultarei debaixo da roupa, mostrarei em público como uma tatuagem de força  do erro assumido e da conseqüência sofrida,  e da marca da cura que tudo isso traz.
Porque é muito mais sofrido temer, mentir, esconder e nunca, nunca estar em paz. Quem vive assim é fugitivo de si mesmo... Sempre mentindo e se escondendo, não há luz redentora no fim do túnel, não há recomeço que passe sua história a limpo, não há momento sem vigília, não há encontro verdadeiro, tudo é ilusão.  Tudo é um medo muito grande, é um não assumir suas vontades, seus atos, seus erros... É viver numa falsa zona de conforto até que a confrontação inevitável venha , forçando uma mudança de ares, de mares , de amores.
Não posso deixar que a minha vida flutue nessa correnteza, sendo jogada pra lá e pra cá, destruída contra as pedras.  Quero ancorar em águas calmas, límpidas, onde se possa mergulhar na transparência da verdade, seja qual for.
E qual a minha verdade?
A minha verdade é a verdade de hoje.  Padre Walter me ensina que o futuro é imponderável...  Que as nossas projeções de futuro devem ser só projetos de alegria prática, jamais devemos nos perder em devaneios de  tristezas  e frustrações.  O futuro é hoje... É o que faço e decido hoje que determina meu futuro.  

"Yesterday is history.  Tomorrow is a mystery.  Today is a gift."