domingo, 6 de fevereiro de 2011

A caveira incadescente - o destino de Vasalisa

Baba Yaga voando em seu caldeirão

Voltando ao casebre no fundo da floresta sombria, encontramos Vasalisa despertando de seu sono e encontrando as tarefas cumpridas pela boneca.  Baba Yaga, ao chegar, fica satisfeita de ver tudo pronto mas ao mesmo tempo desdenha da capacidade da menina, dizendo que ela teve apenas sorte.  Nesse momento, a velha convoca seus servos invisíveis e pares de mãos surgem flutuando no ar para raspar e esmagar o milho, criando uma poeira dourada.
Baba Yaga mostrou então à Vasalisa um monte de estrume no quintal, onde havia milhões de sementes de papoula.  A velha ordenou que a menina separasse as sementes do estrume, fazendo uma pilha só com sementes e um monte somente de estrume, e que todo o serviço devia estar pronto quando Baba Yaga depertasse do seu sono.  Vasalisa nervosa consulta à boneca, e essa a tranquiliza, mandando-a descansar também, pois ela faria o serviço e tudo ficaria bem.
Assim, quando  a megera acordou, a tarefa estava finalizada e ela chamou os servos invisíveis para prensar o óleo das sementes de papoulas.  Vasalisa toma coragem e faz perguntas à velha sobre os cavaleiros que havia visto mas nada questiona sobre os pares de mãos que flutuam no ar.  Baba Yaga acha a menina muito ajuizada e pergunta o que a fez ser assim.
- Foi a bênção da minha mãe - disse Vasalisa, sorrindo.
- Bênção?! - guinchou Baba Yaga - Bênção?! Não precisamos de bênção nenhuma aqui nesta casa. É melhor você procurar seu caminho, filha. - E foi empurrando Vasalisa para o lado de fora - Vou lhe dizer uma coisa, menina. Olhe aqui! - Baba Yaga tirou uma caveira de olhos candentes da cerca e a enfiou numa vara. - Pronto! Leve esta caveira na vara até sua casa. Isso! Esse é o seu fogo. Não diga mais uma palavra sequer. Só vá embora.
A boneca começou a a saltar no bolso do avental, sinalizando que era hora de partir.  Era noite  e Vasalisa partiu rápido, caminhou resoluta pela floresta, a caveira na vara derramando luz nas trevas .através dos olhos , boca, e buraco do nariz.  Vasalisa teve medo daquela caveira poderosa e por um momento pensou em jogá-la fora mas a caveira falou com ela e a acalmou, dizendo que continuasse e levasse o fogo para casa.
Quando Vasalisa ia se aproximando da casa, a madrasta e suas filhas olharam pela janela e viram uma luz estranha que vinha dançando pela mata. Cada vez chagava mais perto. Elas não podiam imaginar o que aquilo seria. Já haviam concluído que a longa ausência da menina indicava que ela a essa altura estava morta, que seus ossos haviam sido carregados por animais, e que bom que ela havia desaparecido! Vasalisa chegava cada vez mais perto de casa. E, quando a madrasta e suas filhas viram que era ela, correram na sua direção dizendo que estavam sem fogo desde que ela havia saído e que, por mais que tentassem acender um, ele sempre se extinguia.
Vasalisa entrou na casa, sentindo-se vitoriosa por ter sobrevivido à sua perigoda jornada e por ter trazido o fogo para casa. No entando, a caveira na vara ficou observando cada movimento da madrasta e das duas filhas, queimando-as por dentro. Antes de amanhecer, ela havia reduzido a cinzas aquele trio perverso.

* * *  FIM * * *

De uma riqueza de símbolos ímpar,  a imagem da caveira incadescente numa vara refulgindo no meio da escuridão é o que mais me intriga e apaixona. Descobri que essa crença absoluta que a caveira é o símbolo do mal nos foi incutida, há muitos séculos, por uma religião intolerante, e que não é bem assim... Em muitas culturas o culto sagrado e respeitoso aos ancestrais tinha a caveira como a catedral  do conhecimento que os antigos deixavam para os mais jovens, e através das órbitas vazias, janelas dessa catedral, fluía a luz do conhecimento que deveria passar de geração para geração.  Alíás, em uma conversa com uma sábia sobre enterro ou cremação dos que já partiram para o outro lado, refleti que temos uma relação muito ruim  com os nossos ossos, fruto também dessa crença que nos foi incutida... E me lembrei de um outra história sobre ossos, "A cantadora de ossos"...  E também outra, " A Mulher-Esqueleto"... Compartilharei com vocês essas histórias em outros encontros nossos, ao redor dessa fogueira virtual que é esse papiro de Nefertiti.