sexta-feira, 8 de março de 2013

O medo, e o porquê de falar sobre ele...

Estou lendo "Life of Pi" , que em português ganhou o nome de " Aventuras de Pi".  Adorei o filme, já vi três vezes, e comprei o livro, que é muuuuito bom.   Tem vários trechos que eu gostaria de transcrever no blog mas hoje, quando estava no capítulo 56 (não se assustem , os capítulos são curtinhos!), me deparei com uma trecho que me tocou muito, pois Pi -  pouco mais que um menino, náufrago solitário no meio do Pacífico, tendo como companhia apenas um feroz e assustador tigre sedento por sobreviver -  descreve o medo e como esse nos toma por completo, nos domina e tenta nos vencer.
Todos nós temos uma fera que ronda à nossa volta.  O leão que ruge, como diz a escritura, buscando a quem devorar... Cada um traz seu quinhão de terrores e fantasmas, que tentamos a todo custo asfixiar dentro de um compartimento secreto dentro de nós... 

Sempre achei libertador entender nossos próprios medos.  Olhá-los nos olhos com serena coragem, poder falar sobre eles, fazer assim uma espécie de exorcismo... Aprendemos, erradamente, que devemos calar sobre nossos medos, sobre nossos erros, sobre nossas dores.  E asssim vamos acumulando uma herança tão maléfica que acaba por nos sufocar, se não totalmente, de uma forma que nos impede de aspirar a plenitude da vida. 

Medos existem para serem derrotados.  Afinal, viemos para lutar .  E para vencer.



Obs:  Como não tenho pretensão de traduzir a obra de Yann Martel,  postei abaixo do texto uma tradução do dr. Google...  

 I must say a word about fear. It´s life`s only true opponent Only fear can defeat life.  It is a clever, treacherous adversary, how well I know.  It has no decency, respects no law or convention, shows no mercy.  It goes for weakest spot, which it finds with unerring ease.  It begins in your mind, always.  One moment you are feeling calm, self-possessed, happy.  Then fear, disguised in the garb of mild-mannered doubt, slips into your mind like a spy.  Doubt meets disbelief and disbelief tries to push it out.  But disbelief is a poorly armed foot soldier.  Doubt does away with it with little trouble.  You become anxious.  Reason comes to do battle for you.  You are reassured.  Reason is fully equipped with the latest weapons technology.  But, to your amazement, despite superior tactics and a number of undeniable victories, reason is laid now.  You feel yourself   weakening, wavering.  Your anxiety becomes dread. (…)
Quickly you make rash decisions.  You dismiss your last allies: hope and trust.  There, you’ve defeated yourself.  Fear, which is but an impression, has triumphed over you. 
The matter is difficult to put into words.  For fear, real fear, such as shakes you to your foundation, such as you feel when you are brought face to face with your mortal end, nestles in your memory like a gangrene: it seeks to rot everything, even the word with which to speak  of it.  So you must fight hard to express it.  You must fight hard to shine the light of words upon it.  Because if you don´t, if your fear becomes a wordless darkness that you avoid, perhaps even manage to forget, you open yourself to further attacks of fear because you never truly fought the opponent who defeated you.
Preciso dizer uma palavra sobre o medo. O medo é o único adversário da vida.  Só o medo pode derrotar a vida. É um adversário inteligente, traiçoeiro, como eu bem sei. Ele não tem decência, não respeita lei ou convenção, não mostra misericórdia. Ele vai no seu ponto mais fraco, o qual ele  encontra com uma facilidade infalível.  O medo  começa na sua mente, sempre. Um momento em que você está se sentindo calmo, seguro de si, feliz. Então o medo, disfarçado sob o manto da bem-educada dúvida, desliza em sua mente como um espião. A dúvida encontra a descrença ( no sentido da incredulidade) e essa tenta empurrá-la para fora. Mas a descrença é um soldado mal armado. A dúvida arrasa a descrença com facilidade. Você fica ansioso. A razão vem para batalhar por você. Você se tranquiliza. A razão é totalmente equipada com a mais recente tecnologia de armas. Mas, para sua surpresa, apesar de táticas superiores e um número de vitórias inegáveis​​, a razão é derrotada. Você se sente enfraquecendo, oscilando. Sua ansiedade se torna pavor. (...)
Rapidamente você toma decisões precipitadas. Você abandona seus últimos aliados: a esperança e a confiança. Neste momento, você derrotou a si mesmo. O medo, que era apenas uma impressão, triunfou sobre você.
A questão é difícil de colocar em palavras. Pois o medo, o medo real que tira seu chão, o medo  que você sente quando  está face a face com o seu fim mortal, esse medo se  aninha em sua memória como uma gangrena: procura  apodrecer tudo, até mesmo a palavra com a qual falar sobre isso. Então você tem que lutar muito para expressá-la. Você deve lutar muito para brilhar a luz das palavras sobre o medo. Porque se você não fizer isso, se o seu medo se torna uma escuridão sem palavras que você  evita, e que talvez até consiga esquecer, você se abre para novos ataques de medo, porque você nunca realmente lutou contra o adversário que derrotou você.



sexta-feira, 1 de março de 2013

Xariar e Sherazade


Mil e uma noites. Arábia. Deserto. Oásis. Odaliscas. Tendas, tapetes, narguilés. Incenso. Música. Aromas, pimenta, especiarias. Roupas que escondem, véus que revelam.  Mãos tatuadas e adornos de ouro, ventres que ondulam, olhos que convidam.
Mil e uma noites. Noites incertas e perigosas para uma Sherazade  sozinha e sem bússola , por  caminhos apagados  pelo  vento em  um deserto  sem lua.  Por vontade própria  se entregando  ao poderoso Xariar, dono de sua  vida ou de sua morte, depois de saciado.   
Mil e uma noites. Quase três anos de espera. Contos e histórias tecidos na alcova, alimentando com fantasias a imaginação do Califa, entremeando com cores e formas seus momentos de desejo e volúpia.   Como Penélope e sua tapeçaria, tantas vezes recomeçada, na esperança fiel do reencontro com seu esposo consumido pela guerra em Tróia, Sherazade buscava reencontrar o verdadeiro Xariar, soberano justo e respeitado por seu povo, e que se perdeu  de si mesmo e dos que o amavam, na amargura da sua dor.
Mil e uma noites.  Tempo necessário para que Sherazade conquistasse o coração de seu bem amado.  Tempo necessário para que ele a amasse tão profundamente, que esquecesse a herança de dor de um triste passado.  Tempo necessário para que ele decidisse  confiar, se entregar.  Decidisse enfrentar seus medos e seus fantasmas, da mesma forma que,  poderoso, enfrentava e  aniquilava seus inimigos. 

Mil e uma noites.  Sherazade está pronta para partir. Entrega sua vida nas mãos do Califa.  Xariar porém, apaixonado, casa-se de novo com Sherazade,  dessa vez com votos de amor eterno. O Califa abraça os filhos que havia fecundado no ventre de sua amada, e que serão, juntos com sua rainha, a alegria e riqueza de todos  os  seus dias. Maktub.  O que tem de ser tem muita força.

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Obs:  Sim, a  Arábia impregnou a minha alma ... O espírito de Sherazade , evoluído e livre, e a beleza da sua entrega através de suas histórias, retratados na linda dançarina no deserto de Dubai. Foto de Ary Amarante.