segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

De como Baubo ( a anciã) salvou Deméter ( a mulher fecunda), Perséfone ( a donzela) e toda a terra

Segue a história,  transcrita do livro da Clarissa:

"Deméter, a mãe-terra, tinha uma linda filha chamada Perséfone, que estava um dia brincando ao ar livre.  Perséfone encontrou por acaso uma flor de rara beleza e estendeu os dedos para tocar seu lindo cálice.  De repente, a terra começou a tremer e uma gigantesca fenda se abriu em ziguezague.  Das profundezas da terra chegou Hades, deus dos Infernos.  Ele chegou alto e majestoso num biga negra puxada por quatro cavalos da cor de fantasmas. Hades apanhou Perséfone, levando-a para sua biga, em meio a uma confusão de véus e sandálias.  Ele guiou,  então, seus cavalos cada vez mais para dentro da terra.  Os gritos de Perséfone foram ficando cada vez mais fracos à medida que a fenda foi se fechando como se nada tivesse acontecido.  Por toda a terra, abateu-se um silêncio e o perfume das flores esmagadas.
E a voz da donzela a gritar ecoou nas pedras das montanhas e borbulhou num lamento vindo do fundo do mar.  Deméter ouviu os gritos das pedras.  Ela ouviu, também, o choro das águas.  Arrancou, então, a grinalda dos seus cabelos imortais, deixou cair de cada ombro seus véus escuros e saiu a sobrevoar a terra como uma ave enorme, procurando, chamando por sua filha.
Naquela noite, uma velha à frente de uma gruta comentou com suas irmãs que havia ouvido três gritos naquele dia; um, o de uma jovem que gritava de pavor; um outro que implorava ajuda; e o terceiro, o de uma mãe que chorava.
Não se via Perséfone em parte alguma.  E assim começou a procura longa e enlouquecida de Deméter por sua filha querida.  Deméter esbravejava , chorava, gritava, fazia perguntas, procurava debaixo, dentro e em cima de todos os acidentes geográficos, implorava por misericórdia, implorava pela morte, mas não conseguia encontrar sua filha amada.
Assim, ela, que havia gerado o crescimento perpétuo de tudo, amaldiçoou todos os campos férteis do mundo, gritando na sua dor.
- Morram !  Morram!  Morram!
Em decorrência da maldição de Deméter, nenhuma criança poderia nascer, nenhum trigo poderia crescer para se fazer pão, nenhuma flor para as festas, nenhum ramo para os mortos.  Tudo ficou murcho e esgotado na terra crestada e nos seios secos. 
A própria Deméter não mais se banhava.  Seus mantos estavam encharcados de lama;  seus cabelos pendiam em cachos imundos. 
Muito embora a dor no seu coração fosse tremenda, ela não se entregava.  Depois de muita investigação, de muitos pedidos e de muitos incidentes, tudo levando a nada, ela afinal perdeu as forças ao lado de um poço numa aldeia onde não era conhecida.  E quando recostou seu corpo dolorido na pedra fresca do poço, chegou ali uma mulher, ou melhor, uma espécie de mulher.  E essa mulher chegou dançando até Deméter, balançando os quadris de um jeito que sugeria a relação sexual, e balançando os seios nessa sua pequena dança.  E quando Deméter a viu, não pôde deixar de sorrir um pouco.
A fêmea que dançava era realmente mágica, pois não tinha nenhum tipo  de cabeça , seus mamilos eram seus olhos, sua vulva era sua boca.  Foi com essa boquinha que ela começou a regalar Deméter com algumas piadas picantes e engraçadas.  Deméter começou a sorrir, depois deu um risinho abafado e em seguida uma boa gargalhada.  Juntas, as duas mulheres riram, a pequena deusa do ventre, Baubo, e a poderosa deusa mãe da terra, Deméter.
E foi exatamente esse riso que tirou Deméter de sua depressão e lhe deu energia para prosseguir na sua busca pela filha,  que acabou em sucesso, com a ajuda de Baubo, da velha Hécate, e do sol Hélios.  Restituíram Perséfone à sua mãe.  O mundo, a terra e o ventre das mulheres voltaram a viscejar."