sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O Mal ( sempre ele...)

Por que, meu Deus, às vezes uma revolta toma conta de mim? Sei que é o Inimigo que me ronda, insuflando dentro de mim mágoas, mal-querências e dores, muitas dores. 
Preciso do fogo do Teu Espírito, Pai, para varrer essa má influência para longe de  mim.  Porque o Inimigo é assim, ardiloso, e sussurra coisas em nossos ouvidos... Ele é o estranho na estrada, como nos contos de fada, como na história da Donzela sem Mãos... Ele é vil, covarde, é enganador.  Ele quer nos confundir, atrapalhar nossos sentimentos, ele é o coxo à beira do caminho, Rumplestiltskin sedutor em seus mil disfarces...
É como a força escura do Um Anel, que modifica nosso semblante e nosso coração... Ele é o animal à solta, cercando e buscando a quem devorar ! Por isso eleva-me, Pai, para que eu fique longe das suas garras retorcidas e de suas palavras de seda...

Pra quem não conhece, recomendo a série: Once upon a time ( Era uma vez)





domingo, 24 de novembro de 2013

A Sabedoria de Deus

Em 14 de novembro:

Que coisa linda, Senhor. Precisava de uma palavra de conforto; abri o site do Padre Marcelo e dei com a liturgia de hoje:

"Na Sabedoria há um espírito inteligente, santo, único, múltiplo, sutil, móvel, penetrante, puro, claro, inofensivo, inclinado ao bem, agudo, livre, benéfico, benévolo, estável, seguro, livre de inquietação, que pode tudo, que cuida de tudo, que penetra em todos os espíritos, os inteligentes, os puros, os mais sutis.
Mais ágil que todo o movimento é a Sabedoria, ela atravessa e penetra tudo, graças à sua pureza.
Ela é um sopro do poder de Deus, uma irradiação límpida da glória do Todo-poderoso; assim mancha nenhuma pode insinuar-se nela.
É ela uma efusão da luz eterna, um espelho sem mancha da atividade de Deus, e uma imagem de sua bondade.
Embora única, tudo pode; imutável em si mesma, renova todas as coisas. Ela se derrama de geração em geração nas almas santas e forma os amigos e os intérpretes de Deus, porque Deus somente ama quem vive com a sabedoria!
É ela, com efeito, mais bela que o sol e ultrapassa o conjunto dos astros. Comparada à luz, ela se sobreleva, porque à luz sucede a noite, enquanto que, contra a Sabedoria, o mal não prevalece.
Ela estende seu vigor de uma extremidade do mundo à outra e governa todas as coisas com felicidade".

                                                                                                                             Sabedoria 7,22-8,1

Pai, Tu és meu farol na escuridão do mar, não permita que eu fique cega à sua Sabedoria. Amém.

Luz na escuridão


Sorry, Peter








"Todas as vezes que uma criança diz Não acredito em fadas !

 uma pequena fada cai morta em algum lugar." 

                                                                   James M. Barrie, do livro Peter Pan





Sinto, Peter, que às vezes as deixemos morrer...



domingo, 27 de outubro de 2013

Deus está na janela

Hoje, domingo nublado e ventoso, encontrei essa historinha no blog de uma jornalista chamada Bettina Florenzano, não sei se ela é a autora ou a trancreveu;  de qualquer forma, senta, que lá vem história !!

"Um pequeno menino visitava seus avós na fazenda.  Lá, ele ganhou um estilingue para brincar no mato.  Ele praticou na floresta, mas nunca conseguiu acertar o alvo.  Ficando um pouco desanimado, ele voltou para o jantar.  No caminho, viu o pato de estimação da vovó.  Em um impulso, ele acertou o pato na cabeça e o matou.  Ele ficou chocado e triste, pois não queria fazer aquilo.  Em pânico, ele escondeu o pato morto na pilha de madeira.  Ana, sua irmã, tinha visto tudo mas ela não disse nada.  Após o almoço no dia seguinte a vó disse: Ana,vamos lavar a louça". Mas Ana disse: "Vovó, João me disse que queria ajudar na cozinha." Em seguida ela lhe sussurrou: "Lembra do pato?  Assim, João lavou os pratos.  Mais tarde naquele dia, vovô perguntou se as crianças queriam ir pescar e vovó disse: "Me desculpe, mas eu preciso da Ana para ajudar a fazer o jantar".  Ana apenas sorriu e disse: "Está tudo certo porque João me disse que queria ajudar".  Ela sussurrou novamente:  Lembra-te do pato?" Então Ana foi pescar e João ficou para ajudar. Após vários dias de João fazendo o trabalho de Ana, ele não aguentava mais.  Ele veio com a avó e confessou que tinha matado o pato.  A avó ajoelhou-se, deu-lhe um abraço e disse:  "Querido, eu sei.  Eu estava na janela e vi a coisa toda, mas porque eu te amo, eu te perdoei.  Eu só estava me perguntando quanto tempo você iria deixar Ana fazer de você um escravo."

Moral da história (ainda da autora do blog, mas com alguns sinônimos de minha parte):

Qualquer que seja o nosso passado ou o que ainda fazemos, o Inimigo da alma humana nos fica acusando (mentira, engano, dívida, medo, hábitos destrutivos, ódio, raiva, amargura).  Seja o que for,  precisamos lembrar que Deus está sempre na janela, vendo a coisa toda.  Ele vê toda a nossa vida.  Ele quer que saibamos que Ele nos ama e que estamos perdoados.  Ele só quer saber quanto tempo vamos deixar o Inimigo nos escravizar...


O cálido olhar de Deus...


sábado, 13 de abril de 2013

Barba Azul, ou o predador que habita em nós

Transcrevo o conto conforme contado por Clarissa Estés porque ninguém, acho, poderia contar melhor...
História clássica que representa o predador que habita em nosso íntimo, que nos sabota, que nos aprisiona e que nos consome... Mas que pode e deve ser vencido, constantemente, plagiando outro clássico , dessa vez em forma de desenho do gênio Disney : O Príncipe Felipe desafia e vence o dragão, na realidade Malévola, com o escudo da virtude  e a espada da verdade.  À Bela Adormecida, voltarei depois.  Agora, senta que lá vem história !!!

"Existe uma mecha de barba que fica guardada no convento das freiras brancas nas montanhas distantes. Como chegou até o convento, ninguém sabe. Uns dizem que foram as freiras que enterraram o que sobrou do seu corpo já que ninguém mais se dispunha a nele tocar.Desconhece-se o motivo pelo qual as freiras iriam guardar uma relíquia dessa natureza, mas é verdade. Uma amiga de uma amiga minha viu com seus próprios olhos. Ela diz que a barba é azul, da cor do índigo para ser exata. É tão azul quanto o gelo escuro no lago, tão azul quanto a sombra de um buraco à noite. Essa barba pertenceu um dia a alguém de quem se dizia ser um mágico fracassado, um homem gigantesco com uma queda pelas mulheres, um homem conhecido pelo nome de Barba-azul.
Dizia-se que ele cortejava três irmãs ao mesmo tempo. As moças tinham, porém, pavor de sua barba com aquele estranho reflexo azul e, por isso, se escondiam quando ele chamava. Num esforço para convencê-las da sua cordialidade, ele as convidou para um passeio na floresta. Chegou conduzindo cavalos enfeitados com sinos e fitas cor-de-carmim. Acomodou as irmãs e a mãe nos cavalos, e partiram a meio-galope floresta adentro. Lá passaram um dia maravilhoso cavalgando, e seus cães corriam a seu lado e à sua frente. Mais tarde, pararam debaixo de uma árvore gigantesca, e o Barba-azul as regalou com histórias e lhes serviu guloseimas.
"Bem, talvez esse Barba-azul não seja um homem tão mau assim", começaram a pensar as irmãs.
Voltaram para casa tagarelando sobre como o dia havia sido interessante e como haviam se divertido. Mesmo assim, as suspeitas e temores das duas irmãs mais velhas voltaram, e elas juraram quem não veriam o Barba-azul de novo. A irmã mais nova, no entanto, achou que, se um homem podia ser tão encantador, talvez ele não fosse tão mau. Quanto mais ela falava consigo mesma, menos assustador ele lhe parecia, e sua barba também parecia menos azul.
Portanto, quando o Barba-azul pediu sua mão em casamento, ela aceitou. Ela havia refletido muito sobre a sua proposta e concluído que ia se casar com um homem muito distinto. Foi assim que se casaram e, em seguida, partiram para seu castelo no bosque.
- Vou precisar viajar por algum tempo - disse ele um dia à mulher. - Convide sua família para vir aqui se quiser. Você pode cavalgar nos bosques, mandar os cozinheiros prepararem um banquete, pode fazer o que quiser, qualquer desejo que seu coração tenha. Para você ver, tome minhas chaves. Pode abrir toda e qualquer porta das despensas, dos cofres, qualquer porta do castelo; mas essa chavinha, a que tem nos altos uns arabescos, você não deve usar.
- Está bem, vou fazer o que você pediu. Parece que está tudo certo. Portanto pode ir, meu querido, não se preocupe e volte logo. - E assim ele partiu, e ela ficou.
Suas irmãs vieram visitá-la e elas sentiam, como todo mundo, muita curiosidade a respeito das instruções do dono da casa quanto ao que deveria ser feito enquanto ele estivesse fora. A jovem esposa falou alegremente.
- Ele disse que podemos fazer o que quisermos e entrar em qualquer aposento que desejarmos, com exceção de um. Só que eu não sei qual é o aposento. Só tenho uma chave e não sei que porta ela abre.
As irmãs resolveram fazer um jogo para ver que chave servia em que porta. O castelo tinha três andares, com cem portas em cada ala, e como havia muitas chaves no chaveiro, elas iam de porta em porta, divertindo-se imensamente ao abrir cada uma delas. Atrás de uma porta, havia uma despensa para mantimentos, atrás de outra, um depósito de dinheiro. Todos os tipos de bens estavam atrás das portas, e tudo parecia maravilhoso o tempo todo. Afinal, depois de verem todas aquelas maravilhas, elas acabaram chegando ao porão e, ao final do corredor, a uma parede fechada.
Ficaram intrigadas com a última chave, a que tinha o pequeno arabesco.
- Talvez essa chave não sirva para abrir nada - Enquanto diziam isso, ouviram um ruído estranho - errrrrrr. - Deram uma espiada na esquina do corredor e - que surpresa! - havia uma pequena porta que acabava de se fechar. Quando tentaram abri-la, ela estava trancada.
- Irmã, irmã, traga sua chave - gritou uma delas - Sem dúvida é essa a porta para aquela chavinha misteriosa.
Sem pestanejar, uma das irmãs pôs a chave na fechadura e a girou. O trinco rangeu, a porta abriu-se, mas lá dentro estava tão escuro que nada se via.
- Irmã, irmã, traga uma vela. - Uma vela foi acesa e mantida no alto um pouco mais para dentro do aposento, e as três mulheres gritaram ao mesmo tempo, porque no quarto havia uma enorme poça de sangue; ossos humanos enegrecidos estavam jogados por toda parte e crânios estavam empilhados nos cantos como pirâmides de maçãs.
Elas fecharam a porta com violência, arrancaram a chave da fechadura e se apoiaram umas nas outras arquejantes, com o peito arfando. Meu Deus! Meu Deus!
A esposa olhou para a chave e viu que ela estava manchada de sangue. Horrorizada, usou a saia para limpá-la, mas o sangue prevaleceu.
- Oh, não! - exclamou. Cada uma das irmãs apanhou a chave minúscula nas mãos e tentou fazer com que voltasse ao que era antes, mas o sangue não saía.
A esposa escondeu a chavinha no bolso e correu para a cozinha. Quando lá chegou, seu vestido branco estava manchado de vermelho do bolso até a bainha, pois a chave verteu lentamente lágrimas de sangue vermelho-escuro.
- Rápido, rápido, dê-me um esfregão de crina - ordenou ela à cozinheira. Esfregou a chave com vigor, mas nada conseguia deter seu sangramento. Da chave minúscula transpirava uma gota após a outra de sangue vermelho.
Ela levou a chave para fora, tirou cinzas do fogão a lenha, cobriu a chave de cinzas e esfregou mais. Colocou-a no calor do fogo para cauterizá-la. Pôs teia de aranha nela para estancar o fluxo, mas nada conseguia deter as lágrimas de sangue.
- Ai, o que vou fazer? - lamentou-se ela. - Já sei, vou guardar a chave. Vou colocá-la no guarda-roupa e fechar a porta. Isso é um pesadelo. Tudo vai dar certo. - E foi o que fez.
O marido chegou de volta exatamente na manhã do dia seguinte e entrou no castelo já procurando pela esposa.
- E então, como foram as coisas enquanto eu estive fora?
- Tudo bem, senhor.
- Como estão minhas dispensas? - trovejou o marido.
- Muito bem, senhor.
- E como estão meus depósitos de dinheiro? - rosnou ele.
- Os depósitos de dinheiro também estão bem, senhor.
- Então, tudo está certo, esposa?
- É, tudo está certo.
- Bem - sussurrou ele - então é melhor devolver minhas chaves.
Com um relancear de olhos, ele percebeu a falta de uma chave.
- Onde está a menorzinha?
- Eu... eu a perdi. É, eu a perdi. Estava passeando a cavalo o chaveiro caiu e eu devo ter perdido uma chave.
- O que você fez com ela, mulher?
- Não... não me lembro.
- Não minta para mim! Diga-me o que fez com aquela chave!
Ele tocou seu rosto como se fosse lhe fazer carinho, mas em vez disso a segurou pelos cabelos.
- Sua traidora! - rosnou, jogando-a no chão. - Você entrou naquele quarto, não entrou?
Ele abriu o guarda-roupa com brutalidade e a pequena chave na prateleira de cima havia sangrado, machado de vermelho todos os belos vestidos de seda que estavam pendurados.
- Chegou a sua vez, minha querida - berrou ele, arrastando-a pelo corredor e pelo porão adentro até pararem diante da terrível porta. O Barba-azul apenas olhou para a porta com seus olhos enfurecidos, e ela se abriu para ele. Ali jaziam os esqueletos de todas as suas esposas anteriores.
- Vai ser agora!!! - rugiu ele, mas ela se agarrou ao batente da porta sem largar, implorando por clemência.
- Por favor, permita que eu me acalme e me prepare para a morte. Conceda-me quinze minutos antes de me tirar a vida para que eu possa me reconciliar com Deus.
- Está bem - rosnou ele - Você tem seus quinze minutos, mas prepare-se.
A esposa correu escada acima até seus aposentos e determinou que suas irmãs fossem para as muralhas do castelo. Ajoelhou-se para rezar, mas, em vez de rezar, gritou para as irmãs.
- Irmãs, irmãs, vocês estão vendo a chegada dos nossos irmãos?
- Não vemos nada, nada na planície nua.
A cada instante ela gritava para as muralhas.
- Irmãs, irmãs, estão vendo nossos irmãos chegando?
- Vemos um redemoinho, talvez um redemoinho de areia bem longe.
Enquanto isso, o Barba-azul esbravejava para que sua esposa descesse até o porão para ser decapitada.
- Irmãs, irmãs! Estão vendo nossos irmãos chegando? - gritou ela mais uma vez.
O Barba-azul berrou novamente pela esposa e veio subindo a escada de pedra com passos pesados.
- Estamos, estamos vendo nossos irmãos - exclamaram as irmãs. - Eles estão aqui e acabaram de entrar no castelo.
O Barba-azul vinha pelo corredor na direção dos aposentos da esposa.
- Vim apanhá-la - gritou ele. Suas passadas eram pesadas; as pedras no piso se soltavam; a areia da argamassa caía esfarinhada no chão.
No instante em que o Barba-azul entrou nos aposentos com as mãos esticadas para agarrá-la, seus irmãos chegaram galopando pelo corredor do castelo ainda montados, entrando assim no quarto. Ali eles encurralaram o Barba-azul fazendo com que caísse até a balaustrada. E ali mesmo, com suas espadas, avançaram contra ele, golpeando e cortando, fustigando e retalhando, até derrubá-lo ao chão. Matando-o afinal e deixando para os abutres o que sobrou dele. "

O quarto secreto




Vítimas de vítimas

Pra quem já teve oportunidade de ler Louise Hay ("Você pode curar sua vida"), o que vou falar aqui não é novidade, mas não deixa de ser uma reflexão bem legal sobre as nossas próprias dores... Lembram que sempre disse que o objetivo desse papiro é ser lenitivo e bálsamo? Pois é.  Então queria falar sobre algo com que me deparei no livro da Louise: a consciência de que somos, todos, vítimas de vítimas...
Segundo a autora, seguimos repetindo em nossa vida, muitas vezes, padrões e comportamentos que estão arraigados em nós, padrões e comportamentos que vivenciamos, provavelmente na infância mas também em outras épocas de nossa vida... Mesmo que esses padrões sejam negativos ou destrutivos, o que nos leva a repeti-los, inconscientemente, é que já sabemos como lidar com eles: a crítica, o abandono, a mentira, o desamor... O que ficou registrado lá trás, pela ótica da nossa criança interior, é o que vale, não importa se verdade ou não, o que conta foi como ela captou e vivenciou a experiência. E a criança, pequena que era (e que ainda vive em nós), não tinha como  entender as dores e feridas dos que então nos machucaram, não tinha como colocar tudo numa ótica mais real, pesar e ponderar sobre as dificuldades e carências de cada um...  Nossa criança registrou apenas a crítica, a mentira, ou aquilo que ela entendeu como abandono e desamor.
Mas...  para libertar-se dos medos, fobias, inseguranças, traumas, e tudo o mais que acorrenta a nossa alma, temos que  voltar ao passado?  Trilhar as mesmas dores, reencontrar os nossos monstros, que a custo colocamos pra dormir? Abir de novo as chagas que considerávamos esquecidas?
A grande resposta é que todas essas mazelas  estão no presente, e não no passado. Estamos arrastando-as por aí, como grilhões de prisioneiros, como correntes de fantasmas, como espectros assustadores em filmes de terror.. Abrir a porta do quarto, atravessar a escuridão de nós mesmos, tropeçar em esqueletos mutilados e tatear até a janela, abrindo-a com autoridade para que a luz volte a brilhar em nós,  como bem reconta  Clarissa Estés no clássico "Barba Azul" é a chave que nos liberta.
Aí, sei lá, lendo isso tudo, escrevi esse texto , que divido com vocês:


Há pessoas que têm tanto medo de perder alguém
Talvez porque já sofreram a perda há muito tempo
Foram abandonadas, no sentido literal da palavra
Deixadas de lado, deixadas pra trás
E por mais que encontrem um porto seguro em suas vidas
Se não conseguirem se libertar dessa dor que as consome
Vão seguir por aí cometendo erros
Correndo atrás de quimeras porque não querem enfrentar
Sua própria dor no espelho.
Guardaram sua dor
Num armário muito escuro
Num  baú muito fundo
Num lugar muito ermo
Onde pensam nunca mais ter que passar e encarar a dor outra vez.
E  seguem, cometendo com os outros
O mesmo abandono que sofreram
Porque é melhor abandonar que ser abandonado
Essa dor que dilacera o nosso ser como um golpe de espada.
Melhor enganar do que aceitar que engana a si mesmo,
Melhor fazer o outro sofrer, porque não se pode suportar a própria dor.
Duro demais aceitar mas é preciso
Que os erros de nossos pais nos marcaram de uma forma  avassaladora
Que o amor só é verdadeiro quando é de entrega,
De confissão e de confiança
Que aceitar nossas falhas é crescer como gente
Que seguir errando os mesmos erros é um grilhão de dor
Do qual só nos libertamos  ao abrir o baú
Ao entrar no quarto
Ao resolver olhar o poço
Retornar à origem
Encontrar a temida dor
Deixá-la doer por algum tempo, em silêncio
E então, lentamente...
Começar a se despedir dela
Se libertar
Deixar que ela se vá ,como tantas outras coisas
Que precisamos deixar partir.
Sermos nós mesmos, com coragem.
Coragem para falar sobre nossos erros.
Coragem para aceitá-los, porque isso nos faz humanos.
Coragem pra pedir perdão.
Coragem para perdoar.
Coragem para perdoar-se.

sexta-feira, 8 de março de 2013

O medo, e o porquê de falar sobre ele...

Estou lendo "Life of Pi" , que em português ganhou o nome de " Aventuras de Pi".  Adorei o filme, já vi três vezes, e comprei o livro, que é muuuuito bom.   Tem vários trechos que eu gostaria de transcrever no blog mas hoje, quando estava no capítulo 56 (não se assustem , os capítulos são curtinhos!), me deparei com uma trecho que me tocou muito, pois Pi -  pouco mais que um menino, náufrago solitário no meio do Pacífico, tendo como companhia apenas um feroz e assustador tigre sedento por sobreviver -  descreve o medo e como esse nos toma por completo, nos domina e tenta nos vencer.
Todos nós temos uma fera que ronda à nossa volta.  O leão que ruge, como diz a escritura, buscando a quem devorar... Cada um traz seu quinhão de terrores e fantasmas, que tentamos a todo custo asfixiar dentro de um compartimento secreto dentro de nós... 

Sempre achei libertador entender nossos próprios medos.  Olhá-los nos olhos com serena coragem, poder falar sobre eles, fazer assim uma espécie de exorcismo... Aprendemos, erradamente, que devemos calar sobre nossos medos, sobre nossos erros, sobre nossas dores.  E asssim vamos acumulando uma herança tão maléfica que acaba por nos sufocar, se não totalmente, de uma forma que nos impede de aspirar a plenitude da vida. 

Medos existem para serem derrotados.  Afinal, viemos para lutar .  E para vencer.



Obs:  Como não tenho pretensão de traduzir a obra de Yann Martel,  postei abaixo do texto uma tradução do dr. Google...  

 I must say a word about fear. It´s life`s only true opponent Only fear can defeat life.  It is a clever, treacherous adversary, how well I know.  It has no decency, respects no law or convention, shows no mercy.  It goes for weakest spot, which it finds with unerring ease.  It begins in your mind, always.  One moment you are feeling calm, self-possessed, happy.  Then fear, disguised in the garb of mild-mannered doubt, slips into your mind like a spy.  Doubt meets disbelief and disbelief tries to push it out.  But disbelief is a poorly armed foot soldier.  Doubt does away with it with little trouble.  You become anxious.  Reason comes to do battle for you.  You are reassured.  Reason is fully equipped with the latest weapons technology.  But, to your amazement, despite superior tactics and a number of undeniable victories, reason is laid now.  You feel yourself   weakening, wavering.  Your anxiety becomes dread. (…)
Quickly you make rash decisions.  You dismiss your last allies: hope and trust.  There, you’ve defeated yourself.  Fear, which is but an impression, has triumphed over you. 
The matter is difficult to put into words.  For fear, real fear, such as shakes you to your foundation, such as you feel when you are brought face to face with your mortal end, nestles in your memory like a gangrene: it seeks to rot everything, even the word with which to speak  of it.  So you must fight hard to express it.  You must fight hard to shine the light of words upon it.  Because if you don´t, if your fear becomes a wordless darkness that you avoid, perhaps even manage to forget, you open yourself to further attacks of fear because you never truly fought the opponent who defeated you.
Preciso dizer uma palavra sobre o medo. O medo é o único adversário da vida.  Só o medo pode derrotar a vida. É um adversário inteligente, traiçoeiro, como eu bem sei. Ele não tem decência, não respeita lei ou convenção, não mostra misericórdia. Ele vai no seu ponto mais fraco, o qual ele  encontra com uma facilidade infalível.  O medo  começa na sua mente, sempre. Um momento em que você está se sentindo calmo, seguro de si, feliz. Então o medo, disfarçado sob o manto da bem-educada dúvida, desliza em sua mente como um espião. A dúvida encontra a descrença ( no sentido da incredulidade) e essa tenta empurrá-la para fora. Mas a descrença é um soldado mal armado. A dúvida arrasa a descrença com facilidade. Você fica ansioso. A razão vem para batalhar por você. Você se tranquiliza. A razão é totalmente equipada com a mais recente tecnologia de armas. Mas, para sua surpresa, apesar de táticas superiores e um número de vitórias inegáveis​​, a razão é derrotada. Você se sente enfraquecendo, oscilando. Sua ansiedade se torna pavor. (...)
Rapidamente você toma decisões precipitadas. Você abandona seus últimos aliados: a esperança e a confiança. Neste momento, você derrotou a si mesmo. O medo, que era apenas uma impressão, triunfou sobre você.
A questão é difícil de colocar em palavras. Pois o medo, o medo real que tira seu chão, o medo  que você sente quando  está face a face com o seu fim mortal, esse medo se  aninha em sua memória como uma gangrena: procura  apodrecer tudo, até mesmo a palavra com a qual falar sobre isso. Então você tem que lutar muito para expressá-la. Você deve lutar muito para brilhar a luz das palavras sobre o medo. Porque se você não fizer isso, se o seu medo se torna uma escuridão sem palavras que você  evita, e que talvez até consiga esquecer, você se abre para novos ataques de medo, porque você nunca realmente lutou contra o adversário que derrotou você.



sexta-feira, 1 de março de 2013

Xariar e Sherazade


Mil e uma noites. Arábia. Deserto. Oásis. Odaliscas. Tendas, tapetes, narguilés. Incenso. Música. Aromas, pimenta, especiarias. Roupas que escondem, véus que revelam.  Mãos tatuadas e adornos de ouro, ventres que ondulam, olhos que convidam.
Mil e uma noites. Noites incertas e perigosas para uma Sherazade  sozinha e sem bússola , por  caminhos apagados  pelo  vento em  um deserto  sem lua.  Por vontade própria  se entregando  ao poderoso Xariar, dono de sua  vida ou de sua morte, depois de saciado.   
Mil e uma noites. Quase três anos de espera. Contos e histórias tecidos na alcova, alimentando com fantasias a imaginação do Califa, entremeando com cores e formas seus momentos de desejo e volúpia.   Como Penélope e sua tapeçaria, tantas vezes recomeçada, na esperança fiel do reencontro com seu esposo consumido pela guerra em Tróia, Sherazade buscava reencontrar o verdadeiro Xariar, soberano justo e respeitado por seu povo, e que se perdeu  de si mesmo e dos que o amavam, na amargura da sua dor.
Mil e uma noites.  Tempo necessário para que Sherazade conquistasse o coração de seu bem amado.  Tempo necessário para que ele a amasse tão profundamente, que esquecesse a herança de dor de um triste passado.  Tempo necessário para que ele decidisse  confiar, se entregar.  Decidisse enfrentar seus medos e seus fantasmas, da mesma forma que,  poderoso, enfrentava e  aniquilava seus inimigos. 

Mil e uma noites.  Sherazade está pronta para partir. Entrega sua vida nas mãos do Califa.  Xariar porém, apaixonado, casa-se de novo com Sherazade,  dessa vez com votos de amor eterno. O Califa abraça os filhos que havia fecundado no ventre de sua amada, e que serão, juntos com sua rainha, a alegria e riqueza de todos  os  seus dias. Maktub.  O que tem de ser tem muita força.

* * * * * * * * *    
Obs:  Sim, a  Arábia impregnou a minha alma ... O espírito de Sherazade , evoluído e livre, e a beleza da sua entrega através de suas histórias, retratados na linda dançarina no deserto de Dubai. Foto de Ary Amarante.