Reconto a história, que na narração original é bem mais longa e rica em detalhes, tomando a liberdade de usar palavras e metáforas da própria autora Clarissa Estés. Essa história é um ode ao poder feminino, um ode à beleza que há em cada uma de nós, mulheres de todas as formas, de todas as idades, de todas as tribos. É um estímulo para o reencontro com nós mesmas, como belas criaturas que somos, somente por sermos mulheres. Em um tempo de mulheres-melancia, mulheres-morango e outras tantas figuras patéticas, divido com vocês algumas das verdadeiras faces de nós mesmas, as Mulheres-Borboleta, as Mulheres-Esqueleto, história que contarei mais tarde, a própria Donzela sem Mãos que já habita esse espaço, assim como Vasalisa e sua poderosa intuição. No melhor espírito Sherazade, senta no teu tapete mágico por um instante , e voa com a Mulher-Borboleta.
" Lá na província longínqua de Puyé, no Novo México, existe o ritual da Mulher-Borboleta. Descendentes dos apaches, dos navajos, dos hapis e de tantas outras tribos lá se reúnem, como num retorno às suas origens. Para lá também rumam inúmeros turistas, com seus carros barulhentos, suas máquinas fotográficas e suas cadeiras de armar. Esses turistas já se esqueceram de seus deuses ancestrais e por isso vão a Puyé observar os que não esqueceram. Passam horas no calor poeirento, assistindo a uma série de apresentações que culminarão com a dança de uma só pessoa: ela, a Mulher- Borboleta! A expectativa de se deparar com a frágil, delicada e diáfana Mulher-Borboleta é tremenda. Porém os turistas ficam perplexos quando surge, aos saltos, María Lujan: Ela é grande, grande mesmo, e velha, muito velha, como uma mulher que voltou do pó; velha como um rio velho, velha como as mais velhas montanhas. Ela usa uma manta vermelha e preta que deixa à mostra um de seus ombros, e traz asas de borboleta do tipo que as crianças fazem na escola. Seu cabelo é de um cinza cor de pedra e vai até o chão e seus quadris e a barriga são enormes. Suas pulseiras de contas chocalham como cascavéis, suas ligas de guizos produzem o som da chuva. Ela salta num pé só, e depois no outro. Ela abana seu leque de penas por toda a parte. Ela é a Borboleta que chegou para dar força aos fracos. Ela é o que a maioria considera não ser forte; a velhice, a borboleta, o feminino. Ela abana seu leque de penas e saltita porque está derramando pólen espiritual sobre todos os presentes. Enquanto as tribos a fitam reverentes, os turistas a encaram decepcionados: Aquilo é a Donzela Borboleta? Parecem não mais se lembrar de que, no mundo dos espíritos, as mulheres são lobos, os maridos são ursos e as velhas de dimensões avantajadas são borboletas.Sim, é correto que a Mulher Borboleta seja velha e corpulenta, pois ela traz o mundo dos trovões num seio, e o mundo subterrâneo no outro. Suas costas são a curva do planeta Terra com todos os seus frutos, alimentos e animais. Na sua nuca, ela traz o sol nascente e o poente. Sua coxa esquerda guarda todos os pinheiros; sua coxa direita, todas as lobas do mundo. Em seu ventre estão todos os bebês que um dia irão nascer. A Donzela Borboleta é a força feminina fertilizadora. Ela poliniza as almas da terra. Ao transportar o pólen de um lugar para ou outro, ela fecunda por cruzamento, da mesma forma que a alma fertiliza a mente com sonhos... Ela aproxima os opostos ao tirar um pouco daqui e levar para lá. A transformação não é nem um pouco mais complicada do que isso. É isso que a borboleta faz. É assim que a alma atua.
A Mulher –borboleta corrige a idéia equivocada de que a transformação é só para os torturados, para os santos, ou apenas para os tremendamente fortes. O Self não precisa mover montanhas para se transformar. Um pouco basta. Um pouco vai longe. UM POUCO MUDA MUITA COISA.
A intérprete da dança da borboleta tem que ser velha por representar a alma que é velha. Ela é larga de coxas e ancas por carregar tantas coisas. Seu cabelo grisalho garante que ela não precisa mais obedecer ao tabu do contato com outras pessoas. É permitido que ela toque a todos: meninos, bebês, homens, mulheres, os idosos, os enfermos, os mortos. É seu o privilégio de tocar a todos, esse é o seu poder. Seu corpo é o de La Mariposa, a borboleta. Ela é a intérprete da força instintiva, fertilizante, a que conserta, a que recorda antigas idéias. Ela é “ La Voz Mitológica”. Ela é a encarnação da Mulher Selvagem."
FIM
Reflexões da autora:
Está errada a imagem vigente da nossa cultura do corpo exclusivamente como escultura. O corpo não é de mármore. Não, não é essa a sua finalidade. A sua finalidade é de proteger, conter, apoiar e atiçar o espírito e alma em seu interior, a de ser um repositório para as recordações, a de nos encher de sensações – ou seja, o supremo alimento da psique. É a de nos elevar e de nos impulsionar, de nos impregnar de sensações para provar que existimos, que estamos aqui, para nos dar uma ligação com a terra, para nos dar volume, peso. É errado pensar no corpo como um lugar que abandonamos para alçar vôo até o espírito. O corpo é o detonador dessas experiências. Sem o corpo não haveria a sensação de entrada em algo novo, de elevação, de altura, leveza. Tudo isso provém do corpo. Ele é o lançador de foguetes. Na sua cápsula, a alma espia lá fora a misteriosa noite estrelada e se deslumbra.
* * *
A mulher selvagem pode compreender seu corpo, não como um peso morto que estamos condenadas a carregar por toda a vida, não como uma besta de carga, mimada ou não, que nos carrega por aí pela vida inteira, mas como uma série de portas, sonhos e poemas através dos quais podemos obter todo o tipo de aprendizado e conhecimento, Na psique selvagem, compreende-se o corpo como um ser por seu próprios méritos, que nos ama, que depende de nós , para quem de vez em quando, somos a mãe e que, de vez em quando, representa a mãe para nós.
" Lá na província longínqua de Puyé, no Novo México, existe o ritual da Mulher-Borboleta. Descendentes dos apaches, dos navajos, dos hapis e de tantas outras tribos lá se reúnem, como num retorno às suas origens. Para lá também rumam inúmeros turistas, com seus carros barulhentos, suas máquinas fotográficas e suas cadeiras de armar. Esses turistas já se esqueceram de seus deuses ancestrais e por isso vão a Puyé observar os que não esqueceram. Passam horas no calor poeirento, assistindo a uma série de apresentações que culminarão com a dança de uma só pessoa: ela, a Mulher- Borboleta! A expectativa de se deparar com a frágil, delicada e diáfana Mulher-Borboleta é tremenda. Porém os turistas ficam perplexos quando surge, aos saltos, María Lujan: Ela é grande, grande mesmo, e velha, muito velha, como uma mulher que voltou do pó; velha como um rio velho, velha como as mais velhas montanhas. Ela usa uma manta vermelha e preta que deixa à mostra um de seus ombros, e traz asas de borboleta do tipo que as crianças fazem na escola. Seu cabelo é de um cinza cor de pedra e vai até o chão e seus quadris e a barriga são enormes. Suas pulseiras de contas chocalham como cascavéis, suas ligas de guizos produzem o som da chuva. Ela salta num pé só, e depois no outro. Ela abana seu leque de penas por toda a parte. Ela é a Borboleta que chegou para dar força aos fracos. Ela é o que a maioria considera não ser forte; a velhice, a borboleta, o feminino. Ela abana seu leque de penas e saltita porque está derramando pólen espiritual sobre todos os presentes. Enquanto as tribos a fitam reverentes, os turistas a encaram decepcionados: Aquilo é a Donzela Borboleta? Parecem não mais se lembrar de que, no mundo dos espíritos, as mulheres são lobos, os maridos são ursos e as velhas de dimensões avantajadas são borboletas.Sim, é correto que a Mulher Borboleta seja velha e corpulenta, pois ela traz o mundo dos trovões num seio, e o mundo subterrâneo no outro. Suas costas são a curva do planeta Terra com todos os seus frutos, alimentos e animais. Na sua nuca, ela traz o sol nascente e o poente. Sua coxa esquerda guarda todos os pinheiros; sua coxa direita, todas as lobas do mundo. Em seu ventre estão todos os bebês que um dia irão nascer. A Donzela Borboleta é a força feminina fertilizadora. Ela poliniza as almas da terra. Ao transportar o pólen de um lugar para ou outro, ela fecunda por cruzamento, da mesma forma que a alma fertiliza a mente com sonhos... Ela aproxima os opostos ao tirar um pouco daqui e levar para lá. A transformação não é nem um pouco mais complicada do que isso. É isso que a borboleta faz. É assim que a alma atua.
A Mulher –borboleta corrige a idéia equivocada de que a transformação é só para os torturados, para os santos, ou apenas para os tremendamente fortes. O Self não precisa mover montanhas para se transformar. Um pouco basta. Um pouco vai longe. UM POUCO MUDA MUITA COISA.
A intérprete da dança da borboleta tem que ser velha por representar a alma que é velha. Ela é larga de coxas e ancas por carregar tantas coisas. Seu cabelo grisalho garante que ela não precisa mais obedecer ao tabu do contato com outras pessoas. É permitido que ela toque a todos: meninos, bebês, homens, mulheres, os idosos, os enfermos, os mortos. É seu o privilégio de tocar a todos, esse é o seu poder. Seu corpo é o de La Mariposa, a borboleta. Ela é a intérprete da força instintiva, fertilizante, a que conserta, a que recorda antigas idéias. Ela é “ La Voz Mitológica”. Ela é a encarnação da Mulher Selvagem."
FIM
Reflexões da autora:
Está errada a imagem vigente da nossa cultura do corpo exclusivamente como escultura. O corpo não é de mármore. Não, não é essa a sua finalidade. A sua finalidade é de proteger, conter, apoiar e atiçar o espírito e alma em seu interior, a de ser um repositório para as recordações, a de nos encher de sensações – ou seja, o supremo alimento da psique. É a de nos elevar e de nos impulsionar, de nos impregnar de sensações para provar que existimos, que estamos aqui, para nos dar uma ligação com a terra, para nos dar volume, peso. É errado pensar no corpo como um lugar que abandonamos para alçar vôo até o espírito. O corpo é o detonador dessas experiências. Sem o corpo não haveria a sensação de entrada em algo novo, de elevação, de altura, leveza. Tudo isso provém do corpo. Ele é o lançador de foguetes. Na sua cápsula, a alma espia lá fora a misteriosa noite estrelada e se deslumbra.
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A mulher selvagem pode compreender seu corpo, não como um peso morto que estamos condenadas a carregar por toda a vida, não como uma besta de carga, mimada ou não, que nos carrega por aí pela vida inteira, mas como uma série de portas, sonhos e poemas através dos quais podemos obter todo o tipo de aprendizado e conhecimento, Na psique selvagem, compreende-se o corpo como um ser por seu próprios méritos, que nos ama, que depende de nós , para quem de vez em quando, somos a mãe e que, de vez em quando, representa a mãe para nós.